sexta-feira, 29 de abril de 2011

Não sei se estou piorando ou as coisas estão melhorando


Não existe (teoria da) Comunicação sem (teoria da) Cultura e vice-versa. Hoje existe uma defesa acirrada na academia em prol do conhecimento empírico, contra o ensaísmo e a filosofia espontânea dos teóricos. Trata-se de uma experiência importante, pois enfrenta o problema da abstração, do relativismo e da retórica dos professores bem versados na cultura ilustrada e nas habilidades de escritor. Uma estratégia inteligente porque contribui para aproximar os acadêmicos dos profissionais do mercado, orientados pela observação direta dos acontecimentos.
Mas há o problema do empiricismo, que traz consigo o risco da numerologia, de uma pesquisa quantitativa que também não passa de uma retórica numérica, ornamentada com gráficos e dados estatísticos. Isso é algo que as revistas como a VEJA e a Isto é, assim como os telejornais da Globo, Record e SBT, fazem muito bem, como se assim pudessem (des)cobrir o mundo. A angústia da atualização, aceleração e instantaneidade da informação jornalística não dá tempo para uma reflexão mais elaborada, um refinamento crítico e auto-crítico, todavia são os jornalistas que nos concedem o acesso à experiência de acesso a uma comunidade nacional e internacional através das notícias e reportagens diárias. E as escolas são o lócus privilegiado para a discussão, o debate, o confronto das interpretações, a formação do espírito investigador, assim como a formação de competências sensíveis à complexidade do mundo para atuar eticamente e cognitivamente nos mercados midiáticos.
Em todo o caso existe uma distinção fundamental entre a Informação, a Comunicação e o Conhecimento; há textos do filósofo Edgar Morin, na internet, tratando do assunto.
O importante é o resgate da verdadeira experiência humana, no mundo social e no mundo natural. A experiência do mundo nunca nos chega diretamente, mas através de mediações: a família, a escola, a igreja, o sindicato, o clube, as comunidades de afeto são formas pelas quais fazemos as nossas mediações e acessamos à experiência. Walter Benjamin, entretanto, fala de duas formas de transmissão e acesso à experiência, dois tipos de narradores: o marinheiro e do comerciante, os quais interagem com os seus interlocutores, compartilham com estes as experiências do mundo por meio de narrativas que formam identidades e sociabilidades.
Uma teoria da comunicação (e da cultura) deve considerar a arte da narrativa como uma dimensão básica, essencial na sociedade. Aí reside o talento de Ariano Suassuna: na arte de resgatar a memória e reorientar as gerações a partir de narrativas carregadas de afetos e de valores formadores das suas identidades, guarnecendo-lhes de elementos mitopoéticos que podem estimular a sua imaginação criadora e vigilante.
Quando houve o estouro do “movimento Mangue Beat”, caracterizado pela bem sucedida conexão entre o rock e as raízes da cultura popular pernambucana e nordestina, acirraram-se os ânimos outra vez: o pensamento intelectual se dividiu em dois blocos. De um lado, os regionalistas (e nacionalistas), do outro lado, os antenados com as manifestações planetárias. Ariano Suassuna e Chico Science se indispuseram, depois se reaproximaram, durante a querela que refez os termos dos tradicionais e dos modernos. Hoje, quando as telenovelas da Rede Globo se inspiram nas obras de Suassuna, este se mostra simpático e receptivo com relação ao produto que surgiu no ventre de uma das suas piores inimigas, a cultura de massa. Science, se estivesse vivo diria que Suassuna está melhorando, ficando mais tolerante. E como uma provocação estimulante, diríamos que talvez, o escritor esteja mais narcisista, após o sucesso estrondoso (de público e de crítica) de “O auto da compadecida” (Guel Arraes, 1999), na televisão e no cinema, após a adaptação bem feita de “Uma Mulher vestida de sol” (Luiz Fernando Carvalho, 1994), a primorosa (e pouco vista) adaptação da obra “A Pedra do Reino” (Luis Alberto de Abreu, Bráulio Tavares, Luiz Fernando Carvalho, 2007) e de “O Cordel Encantado” (Ricardo Waddinton, 2011). Entretanto, Suassuna continua “marrento”, para usar uma gíria em voga: despreza os computadores, os celulares e as parabólicas sem os quais a grande massa de espectadores-usuários-leitores talvez não tivessem a chance de conhecer as suas estórias. Mas tudo isso deve servir de combustível para um debate sobre os rumos da comunicação e da cultura na era dos audiovisuais e das inteligências coletivas conectadas.

O reino de Suassuna (Entrevista de Ariano Suassuna a Murillo Camarotto. In: VALOR on line
http://www.exkola.com.br/scripts/noticia.php?id=49714493

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